Os Episódios Mais Surreais (e Perturbadores) de Rick and Morty – Parte 2

Story Train Rick And Morty - Jesus

Se você achou que já tinha visto tudo, prepare-se para a segunda leva de episódios que testam os limites da animação adulta. Aqui, o desconforto, a crítica e o surrealismo atingem novos patamares.

Se a Parte 1 nos mostrou que Rick and Morty não tem medo de ultrapassar fronteiras, a Parte 2 prova que a série sabe explorar ainda mais fundo os abismos filosóficos, psicológicos e estéticos do seu universo. De universos dentro de baterias a parasitas manipulando memórias, cada episódio aqui revela uma faceta ainda mais ousada e desafiadora da série.


🔋 6. The Ricks Must Be Crazy (Temporada 2, Episódio 6)

O episódio começa como uma premissa típica de ficção científica: Rick precisa consertar a bateria de sua nave, mas o problema é que essa bateria contém um universo inteiro, criado por ele para produzir energia ao explorar civilizações inteiras sem que elas saibam disso. Dentro desse universo, há outra civilização que também cria um subuniverso para gerar energia… e assim a cadeia de exploração se multiplica.

À medida que Rick e Morty viajam de um universo para outro dentro dessa estrutura fractal de exploração energética, o episódio se transforma em uma crítica filosófica à exploração capitalista, à arrogância científica e à ideia de domínio sobre os outros. O que poderia ser apenas mais uma brincadeira com conceitos científicos vira uma reflexão incômoda sobre as consequências éticas de abusar de vidas “inferiores” para conforto próprio.

Enquanto isso, na superfície, a nave de Rick é deixada com Summer e recebe a ordem de protegê-la a todo custo. Levada ao pé da letra, a nave começa a aterrorizar e traumatizar pessoas ao redor — psicológica e fisicamente — para garantir que Summer permaneça em segurança. Essa subtrama é um lembrete cruel de como Rick trata tudo à sua volta como ferramentas funcionais, inclusive sua própria tecnologia.


💀 7. Total Rickall (Temporada 2, Episódio 4)

Neste episódio caótico e genial, a família Smith se vê sitiada por parasitas alienígenas que implantam memórias falsas em seus hospedeiros. Esses parasitas se multiplicam cada vez que alguém “lembra” de uma nova figura em suas vidas, o que rapidamente leva a um desfile absurdo de personagens bizarros — desde um mordomo francês até um super-herói chamado Hamurai.

À medida que o número de personagens aumenta de forma exponencial, a linha entre realidade e ficção se dissolve completamente. O espectador, assim como os próprios personagens, começa a duvidar de tudo e de todos. A tensão cresce em um ritmo frenético enquanto a casa dos Smith se transforma em um campo de batalha contra lembranças falsas, decisões paranoicas e desconfianças existenciais.

O episódio é brilhante em sua construção narrativa e em seu humor autorreferente. Ele desconstrói a própria estrutura de um roteiro de sitcom, satirizando a maneira como o público aceita personagens novos com facilidade, desde que exista uma memória conveniente de fundo. Combinando ação, crítica metalinguística e uma dose cavalar de absurdo, “Total Rickall” é desconcertante, hilário e, acima de tudo, uma das experiências mais criativas da série.


🧠 8. Never Ricking Morty (Temporada 4, Episódio 6)

A história se passa dentro de um trem espacial. Rick explica se tratar de um “dispositivo literalmente literário que literalmente nos contém metaforicamente” (sim, dificil mas é isso), o que parece significar um episódio com referências antológicas em ritmo frenético.

Esse episódio é uma verdadeira montanha-russa de metalinguagem, sátira e quebra da quarta parede. Ambientado dentro de um trem que opera como uma “história artificial” — literalmente chamado de Story Train — o episódio desconstrói todas as convenções narrativas que a própria série já explorou. É um ataque direto aos clichês da televisão, aos arcos de personagens e à expectativa do público por enredos coesos e conclusivos.

Mais do que um exercício de criatividade, “Never Ricking Morty” é um comentário sobre o consumo de narrativas serializadas e a pressão que os criadores sentem em manter a originalidade dentro de um formato que, por natureza, tende a se repetir. É um episódio que brinca com a frustração do público ao mesmo tempo em que entrega um espetáculo insano e provocador. A cereja do bolo nesse episódio, talvez, seja a aparição de Jesus Cristo, e podemos perceber mais uma vez, que Rick as vezes recorre a religião quando se vê sem saída.

Surreal, filosófico e repleto de sátiras ácidas (como sempre faz), esse episódio exige atenção e convida a múltiplas interpretações — o que, em si, já o torna uma obra-prima caótica dentro do universo já absurdo de Rick and Morty.


👶 9. Raising Gazorpazorp (Temporada 1, Episódio 7)

Em “Raising Gazorpazorp”, Morty se torna pai de uma criatura alienígena chamada Morty Jr., resultado de uma relação acidental em um planeta desconhecido. A princípio, a trama parece mais cômica e leve, mas rapidamente toma um rumo inquietante à medida que Morty Jr. se revela uma entidade altamente agressiva, com sede de destruição e impulsos violentos incontroláveis.

Paralelamente, Rick e Summer exploram Gazorpazorp, um planeta governado por uma sociedade matriarcal autoritária e tecnocrática, onde homens são tratados como criaturas primitivas. A cultura local, repleta de rituais exagerados, burocracias bizarras e normas absurdas de comportamento, escancara a crítica satírica ao extremismo ideológico — neste caso, uma inversão cômica do patriarcado.

É uma sátira feminista que não poupa clichês — nem o politicamente correto — e, por isso mesmo, continua sendo um dos episódios mais polêmicos, surreais e inesperadamente densos da primeira temporada.


🧪 10. Cronenberg World (Universo do Episódio Rick Potion #9)

Após a catástrofe causada por Rick em “Rick Potion #9”, onde uma simples poção do amor leva a uma mutação global grotesca, o universo original é transformado em um pesadelo de horror corporal. Os cidadãos de sua realidade se tornam aberrações deformadas — apelidados pelos fãs como “cronenbergs”, em referência direta ao cineasta David Cronenberg, mestre do terror biológico.

Incapazes de resolver o problema, Rick e Morty tomam a decisão mais impactante de toda a série até aquele momento: abandonar completamente sua realidade. Eles se transportam para outro universo onde seus “eus” acabaram de morrer e simplesmente assumem seus lugares, enterrando seus próprios corpos no quintal e seguindo em frente como se nada tivesse acontecido.

Essa virada narrativa é um divisor de águas para o tom da série. Não apenas estabelece que as consequências são reais — e permanentes — como também introduz a noção de que o multiverso é um playground amoral onde a responsabilidade pode ser descartada. O episódio deixa um rastro de existencialismo sombrio, pois o universo original, corrompido pelos erros de Rick, continua existindo, abandonado e irreversivelmente danificado.


🌀 Conclusão: O Surreal Como Reflexo do Real

Se Rick and Morty é conhecida por suas viagens bizarras e piadas absurdas, esses episódios mostram que há muito mais por trás do caos. Cada trama desconfortável, cada universo abandonado, cada crítica escancarada serve a um propósito maior: fazer a gente rir — e pensar. O surrealismo da série não é apenas um estilo; é uma ferramenta para expor as contradições da nossa própria existência.

E talvez seja isso que torne Rick and Morty tão única: sua capacidade de usar ratos mecânicos, picles falantes e mutações grotescas para falar sobre responsabilidade, trauma, niilismo e o valor (ou a falta dele) das nossas escolhas.

Prepare-se, porque a próxima temporada com certeza vai expandir ainda mais os limites do absurdo. E nós estaremos lá para assistir — e tentar entender.

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